A vivência dos ciclos

Procura na periferia do universo
E te encontrarás como ser humano;
Procura no próprio interior humano
E tu encontrarás o universo.”

Rudolf Steiner

Ao observarmos nossa trajetória de vida, podemos perceber que ela se desenvolve, ao longo do tempo, por meio de pequenos e grandes ciclos. A natureza nos proporciona, anualmente, a vivência das quatro estações, através das quais o planeta Terra realiza uma grande respiração, com movimentos alternados de expansão e contração. Na primavera, inicia-se um movimento de expansão, com o rebrotar das plantas e a chegada de dias mais quentes e luminosos, após inverno. No verão, essa expansão atinge seu nível máximo, quando o calor e a luminosidade dos dias de sol se intensificam ainda mais. Ao final desse período, o outono traz dias mais frescos e menos luminosos. O reino vegetal se recolhe, as folhas se ressecam e caem das árvores. O verde das plantas dá lugar aos tons avermelhados, alaranjados e amarelados do outono. No inverno, as plantas se retraem ainda mais e algumas delas chegam a perder todas as folhas, cobrindo o chão com diferentes tons de bege e marrom. Os dias tornam-se ainda mais frios, mais curtos e menos luminosos. Os animais também tendem a se recolher e a se proteger do frio nesse período.

Festa de São João Escola Ipê Amarelo.

Ao observarmos esses fenômenos da natureza, podemos voltar nosso olhar para nós mesmos e nos perguntar o que experienciamos em cada um desses ciclos sazonais que compõem essa grande respiração do nosso planeta. Nos dias quentes e luminosos do verão, vivenciamos também, internamente, alguma forma de expansão? Meses depois, quando chega o outono, podemos perceber em nós, assim como na natureza, algum movimento de recolhimento, que se acentua no inverno? E que experiências internas nos trazem os dias primaveris, com o despertar do mundo vegetal, após tantos meses em que as sementes permaneceram isoladas no silêncio, no frio e na escuridão da terra? Cada um de nós pode atentar para o que acontece em nossa alma em cada um desses períodos.

Podemos também nos perguntar se temos reservado tempo, em nosso dia a dia, para buscar conhecer esses fenômenos naturais externos, que nos contam um pouco sobre nossa própria natureza interna. Temos nos permitido respirar, equilibrando em nós a expansão e a concentração necessárias para alcançarmos equilíbrio e bem estar? Temos alternado, de forma harmônica, nossas ações no mundo externo e a quietude que nos permite cultivar nossa vida interior?

Nos últimos séculos, houve uma crescente aceleração da vida humana e, neste momento, fomos todos levados a experienciar uma longa pausa. Que oportunidades pode estar nos trazendo a vida, com essa mudança? Talvez a natureza possa nos trazer algumas respostas, através de seus fenômenos e ensinamentos, se nos aproximarmos dela e nos dedicarmos a observá-la atentamente, como fazem as crianças.

Festa de São João Escola Ipê Amarelo.

Além das quatro estações que compõem o ciclo do ano solar, podemos também observar os meses do ano. Esses ciclos mais curtos, compostos por quatro semanas, são também marcados por fenômenos naturais, como as quatro fases da lua. Assim como nas estações, ao longo das quatro semanas que compõem cada mês, podemos observar uma ampliação, nas fases da lua crescente e cheia, e uma retração, nas fases da lua minguante e nova. As marés, alguns ciclos das plantas e do organismo humano também se desenvolvem no mesmo ritmo. A partir dessa constatação, podemos buscar perceber como se mantém nossa vida anímica em cada uma dessas fases.

Passando dos meses aos dias, é possível identificar, igualmente, movimentos alternados de expansão e contração, do amanhecer ao anoitecer. Assim, os dias e as noites compõem, juntos, uma outra forma de respiração, permitindo-nos vivenciar, a cada 24 horas, uma experiência ampliada de inspiração, seguida de uma expiração. O raiar do sol marca o início desse ciclo diário em que a natureza se expande e nos traz, de forma crescente, luz e calor. Pela manhã, bem cedo, os pássaros começam a cantar, anunciando o início de um novo dia e se põem em movimento, assim como outros animais. Dentro desse fluxo, nós também despertamos, após uma noite de descanso, e nos voltamos para nossa vida ativa, quando lidamos, em estado de vigília, com nossos pensamentos, sentimentos e ações. Ao entardecer, a natureza se recolhe e nos oferece, pouco a pouco, a escuridão, o silêncio e o frescor (ou até mesmo o frio) da noite. Após um dia de intensa atividade mental, emocional e física, nós também vivenciamos a necessidade de recolhimento, pausa, quietude e de mergulharmos em sono profundo. Diante dessa observação, podemos nos perguntar como temos vivido cada ciclo diário e noturno, ao longo da nossa caminhada individual e coletiva. Temos nos permitido alternar momentos de ação e pausa, equilibrando vida ativa e vida contemplativa? Como lidamos com nossa necessidade de alternarmos ação e descanso, dia e noite, inspiração e expiração? Se observarmos nossa experiência diária, com atenção e sem julgamentos, talvez possamos realizar valiosas descobertas através dessas e de outras perguntas.

A vida nos traz, a cada amanhecer, e também a cada instante, a chance de recomeçarmos e de iniciarmos novos ciclos de experiências e aprendizados na linha do tempo. Cada anoitecer nos oferece, igualmente, a oportunidade de nos renovar e nos revitalizar para seguirmos bem, no dia seguinte. Que possamos todos nos inspirar, através da observação da natureza, e criar condições para mantermos um ritmo de vida saudável, buscando harmonizar as vivências no mundo exterior e em nosso universo interior. Que em cada dia e em cada noite possamos, pouco a pouco, desenvolver equilíbrio, bem estar e paz.

Luciana Lages
Professora do Jardim de Infância


Na Noite Antiga

“Aqui
Na noite antiga de garoa e frio fino,
Subiam balões de luz
Em honra do primo de Jesus,
São João Menino.

E, em nosso coração,
Cada balão,
Subindo rápido e em linha reta,
Era o próprio João Menino
Se transformando em João Profeta.

Era o profeta
Que parecia o clarão da madrugada,
Antecedendo a chegada
Do grande sol nascente, da maior luz:
O Cristo Jesus.”

Ruth Salles